30 setembro 2009

Crônica do blog: rosadias.zip.net

Li Clarice Lispector

Li. Mas tenho que confessar que li tardiamente. Apesar de gostar muito de ler. Aliás, de ser viciada em leitura. Na falta de um livro, revista ou jornal, até bula de remédio pode servir. Apesar disso, nunca havia lido nada da Clarice Lispector. Um pouco de falta de interesse (tenho que confessar esse pecado...), um pouco de falta de oportunidade... Sobre ela não sabia muito, apenas que era misteriosa, profunda e fumava.
Mas, ganhei Felicidade Clandestina, livro de contos escrito em 1971. A partir daí, tudo mudou...
Pra começar, me senti rasa como uma tampinha de pasta de dente... Logo eu que me acho tão intensa, tão cheia de conflitos interiores, reais e imaginários. Tudo para ela parece ter um peso diferente, uma folha que cai não é só uma folha que cai, um ovo não é apenas um ovo, não para Clarice Lispector.
Algum de vocês já leu o Ovo e a Galinha? Eu comecei, não consegui terminar...Um dia, quando estiver num outro patamar intelectual, quem sabe... Ela diz: “O ovo é uma coisa suspensa. Nunca pousou. Quando pousa, não foi ele quem pousou. Foi uma coisa que ficou embaixo do ovo. _ Olho o ovo na cozinha com atenção superficial para não quebra-lo. Tomo o maior cuidado para não entendê-lo. Sendo impossível entende-lo, sei que se eu o entender é porque estou errando. Entender é a prova do erro.” Eu nunca consegui pensar uma coisa dessas, nem conseguo terminar de ler! Que raiva! De coisas mínimas, ela retira um mundo. Ela faz um recorte no dia-a-dia, um fato simples, uma palavra e vai, com uma agulha finíssima até no que de mais profundo se pode perceber.
Eu fico pensando e não consigo vê-la como nós, vivendo como simples mortais. Imagine-a levando os filhos para a escola, indo ao supermercado (vai ver que foi aí que surgiu a inspiração do Ovo), imagine-a discutindo a relação! Pobre marido, tentando argumentar para uma mulher tão transcendental!
Falei de raiva, mas foi mais, foi inveja! Eu que escrevo meu blog tão sem constância, procurando arduamente inspiração para escrever minhas crônicas e ela escreve sobre tudo, com maestria! Eu lia, lia, olhava no verso do livro a foto dela com aquela pose, aquele jeito arrogante e pensava: “Antipática!”
Mas, aos poucos, ela foi me conquistando.Pelo simples fato de que ela escreve bem, muito bem, não há sedução maior para um leitor. Ela escreve poesia sem a métrica da poesia, põe em palavras o que a gente sente, mas não sabe falar, sua escrita é sensorial, é totalmente única, a gente lê um parágrafo e reconhece: É Clarice!
Como é maravilhoso ser provocado por um livro, um filme, o que for! A partir daí, procurei Clarice Lispector no Youtube e ouvi uma voz, um jeito de falar totalmente diferentes do que eu havia imaginado e aprendi mais. Fui ler A Hora da Estrela e, se não houve o soco na boca do estômago do primeiro livro, houve a confirmação de uma paixão e aprendi mais.
E um bom livro é assim, te joga para frente e depois dele, você nunca mais é o mesmo!



Rosa Dias é atriz, psicóloga, professora de EI da rede Municipal (indo para SL) e uma amiga maravilhosa!!





Um comentário:

  1. Gostei muito do seu texto sobre Clarice Lispector. Entrei aqui por engano e permaneci por algum tempo. Clarice tem mesmo esse talento de nos despir a alma e sem o menor pudor nos arranca os incisivos. A gente não sabe, mas, aposto que ela está entre nós, esperando a hora certa de fazer travessuras com sua pena de verve visceral. Afetuoso abraço! Clara Dawn

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